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O futuro digital e a prática da odontologia fora do analógico

A otimização de tempo, integração de dados, maior visibilidade, precisão e antecipação são apenas algumas das vantagens que a evolução odontológica tem apresentado ao mundo, principalmente nos últimos anos de intenso intercâmbio de conhecimento e lançamentos no mercado.

O que antes víamos apenas como avanços intangíveis de longo prazo, começam a ganhar nome: impressão 3D, fluxo digital, escaneamento intraoral e muito mais. Tudo isso já está presente em muitos consultórios e, além dos benefícios na prática odontológica, também acabam por estreitar a comunicação entre o profissional e o paciente que recebe o tratamento. 

Para apresentar um panorama mais técnico sobre os ganhos desse novo cenário em evolução contínua, assim como os desafios impostos pelas tendências e a importância da curva de aprendizado, convidamos para um bate-papo o Prof. Dr. Guilherme Saavedra, profissional de forte atuação e bagagem clínica, palestrante nacional e com experiência internacional – KOL Exocad e Kulzer. Confira a entrevista na íntegra:

No seu ponto de vista, quais são as principais vantagens de se trabalhar com fluxo digital?

A primeira vantagem é a simplificação dos procedimentos. Por quê? Porque acabamos tendo menos etapas do processo.

Isso diminui as chances de erro. Então, simplificação, aumento da previsibilidade, aumento da chance de acerto, ou seja, diminuição da chance de erro dos processos, e melhoria da comunicação. Então, o paciente participa do processo de decisão.

O fluxo digital permite a reunião de várias informações no mesmo lugar, normalmente uma plataforma num software. Isso faz com que a tomada de decisão seja mais assertiva. Uma tomada de decisão que consegue levar em consideração vários fatores que muitas vezes em um fluxo convencional não conseguimos fazer isso. E não só a melhoria de comunicação entre o paciente e o profissional, mas entre os profissionais que vão participar de um caso clínico. Outra vantagem também é a possibilidade de simular diferentes soluções.

Fazendo uma comparação de prós e contras, qual é a diferença dos trabalhos realizados pela técnica aditiva e subtrativa?

As duas técnicas são fantásticas, porém, eu acredito que a principal vantagem da técnica aditiva, ou da impressão 3D, sobre a técnica subtrativa que é a fresagem, é que a impressão 3D permite a confecção de morfologias complexas, que a fresagem ou a usinagem, o método subtraído não permite, porque ela está limitada pelo diâmetro da sua menor fresa.

Então, isso faz com que morfologias complexas, com a produção de scaffolds, substitutos ósseos ou dentes como um sulcamento muito pequeno, uma fossa ou uma fissura que eu queira reproduzir, às vezes não consigo por meio da usinagem, porque o diâmetro da menor broca não consegue esculpir aquela estrutura, assim faz com que o técnico tenha que exercitar ou utilizar uma broca que gera um superaquecimento na peça, gerando um ângulo vivo e fragiliza esses materiais, muitas vezes materiais que são friáveis, como os materiais cerâmicos.

Então, se eu fosse falar sobre isso, outra forma também de se pensar: a impressão acaba sendo muito mais rápida. A gente consegue efetivamente imprimir 30 dentes ao mesmo tempo, principalmente se utilizar um sistema de estéril litografia.

A Kulzer trabalha com DLP, mas futuramente pode até ser que tenha LCD, mas o sistema DLP tem um projetor dentro da impressora. Isso faz com que essa emissão de luz sensibilize os fotoiniciadores de uma grande área. Assim podemos imprimir vários elementos ao mesmo tempo, já a usinagem, não. Você está ali usinando um elemento por vez. Você pode programar para a usinar 30 elementos, porém você vai usinar um por vez.

Outra coisa também é a economia. Com a impressão 3D você perde muito menos material. Na usinagem, uma grande parte do material da matéria prima é descartada e você não consegue reaproveitar. Então, acho que são algumas vantagens em relação a essa diferença entre usinagem x impressão.

Quais são os maiores desafios enfrentados hoje pelos profissionais que desejam introduzir o fluxo digital no seu dia a dia?

O medo de investir, o medo de achar que esse investimento não vai retornar, de sair da zona de conforto. Já que o método convencional funciona, por que ele vai mudar se ele já trabalha há 20, 30 anos de uma forma e por que ele tem que mudar?  Porque a mudança exige justamente a pessoa se movimentar, sair da zona de conforto.

Ela agrega valor ao procedimento, ela simplifica as etapas. O paciente percebe o valor. E esse retorno sobre investimento, se ele é bem planejado, é extremamente eficiente.

Você consegue oferecer um mesmo espaço em uma clínica, ou laboratório, uma grande possibilidade de soluções para o mesmo caso clínico e diminui a quantidade de etapas. Assim, você aumenta a chance do êxito na solução daquele problema ao qual você vai usar.

Então, eu acredito que o maior desafio é o profissional entender que ele vai passar por uma curva de aprendizado. O desafio de trabalhar com as expectativas que são criadas, e esse medo de investir. Eu acredito que esse é o desafio, mas o digital ele só vem para simplificar. Se o digital complicar o processo, é porque ele não está sendo aplicado com um propósito adequado.

A impressão 3D tem ganhado um grande espaço na produção dos laboratórios de prótese. Pensando no consultório, conte-nos sua experiência, com relação à qualidade dos trabalhos impressos. Quais etapas você substituiu do modelo analógico para a tecnologia digital?

As qualidades do trabalho são maravilhosas. Os trabalhos impressos têm muita qualidade, os insumos, as resinas, no caso que é o que utilizo muito, estão sofrendo um processo de desenvolvimento muito grande.

Porém, a aplicabilidade, por exemplo, na confecção de guia cirúrgica é excelente. A confecção de placas oclusais evoluiu muito o aparelho ortodôntico. Isso já é possível usar com segurança, no ambiente clínico e laboratorial, por exemplo, a confecção de modelos.

Dentro do fluxo analógico e para a tecnologia digital, o que diminui muito a minha execução? Por exemplo, confecção de modelos, porque no fundo analógico, para eu confeccionar uma coroa, eu precisava moldar o paciente e obter um modelo em gesso.

E esse modelo em gesso era o meio de me comunicar ou de mandar o meu paciente para o laboratório. Quando eu trabalho com o digital, com o escaneamento intraoral, eu não preciso mais do modelo, porque eu consigo confeccionar a prótese sem o modelo físico. Eu tenho um modelo digital. Então, o meu objeto e o meu objetivo de trabalho é a confecção da prótese. Então, eu acredito muito nisso.

Outra mudança abrupta para mim, primeiro, foi a confecção de trabalhos em sessão única. Placas oclusais são um exemplo, assim como as cirurgias guiadas. Eu não faço mais cirurgia convencional ou implante. Eu mudei todo o meu fluxo para planejamento virtual e a confecção impressa de guias cirúrgica e provisórios também. Isso tem modificado muito a minha ação profissional.

Na sua opinião, quais os aspectos que ainda precisam ser melhorados/ desenvolvidos para que a Odontologia digital ganhe mais espaço nos consultórios odontológicos?

Primeiro é uma campanha de esclarecimento de que o digital veio para simplificar os procedimentos odontológicos. Aumentar o conforto do paciente, aumentar o conforto do profissional também na execução da sua especialidade. Eu não acredito em odontologia digital. Eu acredito em ferramentas digitais que são aplicadas a diferentes especialidades. Além de tirar o medo do profissional de investir e de trabalhar com fluxo digital, porque ele democratiza os resultados e lhe permite que profissionais com uma menor experiência executem procedimentos de profissionais com muita experiência, porque, por exemplo, em uma cirurgia guiada, ele está segurando a mão do profissional para executar.

Então, eu acho que as empresas também, num caso que vendem os equipamentos como scanner, impressoras e fresadoras, elas viabilizarem o acesso a esse tipo de equipamento, com campanhas onde você compra um insumo, você ganha a máquina ou um sistema de comercialização diferente ao invés de vender o equipamento.

Você fazer uma locação do equipamento, também acho que é um caminho bem viável, porque eu acredito que vocês, como empresa, ganham dinheiro vendendo insumo, não equipamento. Então seria essa a minha opinião do que precisa ser melhorado.

De que forma é possível introduzir o fluxo digital no consultório sem fazer grandes investimentos em equipamentos?

É justamente isso. O profissional já usa celular que é digital. A câmera fotográfica, uma tomografia. O que eu acredito é investir em educação, em cursos de formação para o profissional entender o que é fluxo digital, porque fluxo digital não é uma sequência, é um processo que eu posso mudar a sequência de acordo com a necessidade da solução de um problema e não existe um único fluxo.

Eu posso estabelecer o fluxo de diversas formas, como por exemplo, num caso onde eu vou fazer um tratamento ortodôntico, instalar um implante e fazer a coroa. Eu posso usar em casos em que eu não tenho espaço protético em dentes adjacentes, por exemplo, a intrusão de um dente.

Eu não preciso esperar a intrusão de um dente para fazer a cirurgia da prótese. Eu consigo, por meio de software, prever a futura posição do dente na movimentação ortodôntica e com essa futura posição, eu gero um modelo que eu vou levar para o meu planejamento e já executo o planejamento e a cirurgia do paciente mesmo antes do início da ortodontia.

Então a gente muda isso. Fluxo dá a sensação de uma continuidade, de uma sequência específica. Não é assim. Um fluxo digital não tem uma sequência específica. A princípio, a gente usa a tecnologia para simplificar os processos e facilitar a obtenção do bom resultado, com previsibilidade e permitindo que o paciente participe da decisão e também reunindo todas as informações num mesmo lugar, o que a gente chama de criar um paciente virtual, ou seja, eu vou fazer a simulação de diversas soluções, de diversos tratamentos dentro de um software, reunindo uma fotografia, um escaneamento intraoral, a uma tomografia, um escaneamento facial e aí eu monto esse paciente virtual.

Como você enxerga o futuro da Odontologia digital daqui a 5 anos?

Eu enxergo o futuro da odontologia daqui a cinco anos como uma odontologia mais intelectual do que técnica, onde os profissionais de sucesso serão aqueles que tomam a decisão, aqueles que pensam, aqueles que têm uma boa formação para utilizar essas ferramentas digitais.

Eu vou dar um exemplo que eu já escrevi na coluna do professor Baratieri chamado ”O Dentista Intelectual”, onde fiz uma comparação entre o arquiteto e engenheiro na construção de um prédio e o pedreiro. Quem pensa, quem faz os cálculos é o engenheiro. Quem ajuda o engenheiro nesse processo de construção e de planejamento é o arquiteto. Porém, quem vai colocar a mão na massa para executar a obra é o pedreiro e ele tem apenas um curso técnico, e isso não impede que ele execute a construção da obra. Ele só precisa fazer uma única coisa que é seguir rigorosamente o protocolo definido pelo arquiteto e pelo engenheiro, pelos cálculos, pelos materiais que devem utilizar, pelos vergalhões.

Eu acredito que a nossa odontologia vai migrar para isso. Por exemplo, uma empresa de implante, ela não vai ser mais uma vendedora de implante. Ela vai ajudar o profissional a solucionar o problema. Ela vai ser uma prestadora de serviço. Então ela vai ter um plano em center que eu mando os escaneamentos, as tomografias e eu, junto com um técnico, vou pensar e definir a melhor posição para o implante.

Definida a posição de implante, eu já escolho o componente protético. Escolhi o componente protético, a empresa vai desenhar comigo o guia, vai imprimir para mim e vai me mandar um magic box, uma caixinha, com um implante, um pilar protético provisório, a guia cirúrgica, e o cicatrizador.

E ela não me vende mais o material. Ela me vende a solução que foi definida junto comigo e com o paciente, dentro de um processo de um fluxo digital contínuo para resolver aquele problema específico.

Isso é definir um paciente virtual. Isso é definir uma solução. E isso, na minha opinião, é o futuro da odontologia digital e o presente, porque a gente já tem feito.

Guilherme Saavedra é Professor Doutor do Departamento de Materiais Odontológicos e Prótese da UNESP nas Disciplinas de Implante e COAT/Oclusão; Docente das disciplinas clínicas Aplicação da Tecnologia CAD/CAM na Odontologia e orientador do programa de pós graduação da UNESP; Professor convidado da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa; Palestrante – KOL Exocad e Kulzer para o sistema de impressão cara Print e Pesquisador nas linhas de Prótese, Implante e Odontologia Digital.

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